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História do Autismo

Durante muitos anos o autismo e a esquizofrenia eram consideradas como semelhantes. Historicamente, a primeira vez que o termo autismo apareceu foi em 1908 pelo psiquiatra Paul Eugen Bleuler. 

O artigo “Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo” é considerado um dos grandes materiais publicados sobre autismo. Foi publicado pelo psiquiatra Leo Kanner em 1943, que pela primeira vez trouxe a análise de forma consistente ao público infantil. Sendo um dos primeiros a observar que os sintomas aparecem nos dois primeiros anos de vida, colocando principais critérios: isolamento extremo e insistência obsessiva na mesmice.

Hans Asperger em 1944 publicou o artigo “A Psicopatia Autista da Infância”. Neste artigo, foi demonstrado um grupo de indivíduos com características semelhantes ao grupo de Kanner, com a diferença relacionado ao desenvolvimento intelectual. 

Em 2018 a historiadora Edith Sheffer publicou o livro “Crianças de Asperger: As origens do autismo na Viena nazista”. Vários outros historiadores também têm associado Hans Asperger ao regime nazista. Sendo responsável por pesquisas médicas de crianças com deficiências , submetendo-as a abusos psicológicos e físicos.

Na década de 50 o autismo foi considerado por alguns como um modismo, devido ao aumento súbito no número de diagnósticos nos Estados Unidos. Este acontecimento se deu devido ao alargamento dos critérios diagnósticos. Na década de 60 começou um movimento na comunidade médica científica de onde o autismo deveria ser colocado nas classificações vigentes.

Através destes estudos, em 1968 o autismo passa a ter designação própria no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: (DSM – publicado pela Associação Psiquiátrica Americana): “Transtorno Autista”, incluído nos transtornos invasivos de desenvolvimento (TID). Os critérios empregados refletiam as manifestações inicialmente descritas por Kanner e expandidas por Rutter.

De 1968 a 1978, Rutter define 5 critérios essenciais para o diagnóstico de autismo a partir dos 30 meses de idade: desenvolvimento social anormal, desenvolvimento desviado (em especial a linguagem), comportamento estereotipado, ausência de delírio. Rutter junto ao Kanner foram os grandes colaboradores para o desenvolvimento dos critérios diagnósticos no DSM III. Em 1987, ocorreu um grande passo devido à adoção do termo Distúrbios Abrangentes do Desenvolvimento (PDD).

A psiquiatra Lorna Wing e mãe de uma menina autista (Susie) debruçou sua vida para estudar sobre o autismo. Graças aos seus estudos, a partir da década foi melhorando os parâmetros diagnósticos. Ela elencou 6 pontos fundamentais:

  1. Verbalização correta, mas estereotipada e pedante;
  2. Comunicação não-verbal caracterizada por gestos socialmente convencionados como inadequados, voz sem entonação e poucas expressões faciais;
  3. Ausência de manifestações convencionais de empatia;
  4. Prefere a repetição, aversão às mudanças;
  5. Deficiências de coordenação motora, como postura e movimentos;
  6. Boa memória mecânica e limitados interesses especiais.

Infelizmente, Susie teve uma morte inesperada aos 49 anos. Lorna em seus livros conta que Susie nunca foi capaz de expressar claramente suas emoções, mas como, quando chegava em casa após o trabalho, seu rosto se iluminava. Ela dizia ser um sentimento absolutamente maravilhoso, diferente de tudo.

Lorna Wing também contribuiu para o desenvolvimento do movimento recente “orgulho do autismo”. Ela acreditava, e deixaria as pessoas saberem que sim, que para ser realmente bem-sucedido nas ciências e nas artes é necessário ter alguns traços claros de autismo. 

Lorna, também acreditava que temos algumas dessas características. Um de seus ditados favoritos dela era que a natureza nunca traça uma linha sem borrá-la; você não pode separar naqueles “com” e “sem” traços, pois eles estão muito dispersos “. Como também, foi um dos grandes nomes a levantar as questões genéticas e o autismo.

Concomitantemente à época das pesquisas de Lorna, a psicóloga Uta Frith desenvolveu o conceitos da teoria da mente e a fraqueza da coerência central, um argumento de que autistas costumam ser mais habilidosos para perceber detalhes específicos no ambiente, por exemplo, e uma dificuldade maior para processar o cenário geral das coisas.

Indivíduos autistas podem ser acometidos por anormalidades qualitativas nos contatos sociais e padrões de comunicação. Muitos estudos demonstraram que uma grande quantidade destes indivíduos pode ter anormalidades no processamento cognitivo “Teoria da mente” (ToM), isto é, eles podem ter uma incapacidade de inferir os seus estados mentais e os de terceiros. Tal condição foi chamada de “cegueira mental” por Baron-Cohen (1995). Essa expressão utilizada para nomear a habilidade automática e espontânea de se atribuir estados mentais a si mesmo e a outras pessoas a fim de se poder predizer e explicar comportamentos, como será descrito adiante. Fonte: Hélio Tonelli – Autismo, teoria da mente e o papel da cegueira mental na compreensão de transtornos psiquiátricos – https://www.scielo.br/j/prc/a/kQDx4WZqCRD9FwChDkdnH3m/?lang=pt
Quando observamos um objeto pela primeira vez, observamos a sua representação globalmente e não cada uma das partes que o compõem. Por exemplo, se olharmos para os rostos dos nossos entes queridos, olharemos para eles como parte de um todo, e não isoladamente o nariz, a boca, etc. Isso acontece graças à coerência central.No entanto, alguns estudos nos dizem que isso não acontece, por exemplo, em pessoas que têm um transtorno do espectro autista ou algum problema nas funções executivas. É por isso que a neurociência deu atenção à teoria da coerência central fraca. Fonte: https://amenteemaravilhosa.com.br/coerencia-central-fraca-espectro-autista

No DSM–IV (1994) era classificado como Transtorno Autista, implicando um desenvolvimento comprometido ou acentuadamente anormal da interação social e da comunicação, padrões de comportamento, interesses e atividades repetitivos, restritos e estereotipias motoras. Apresentavam algumas características e transtornos associados, como por exemplo, hiperatividade, desatenção, agressividade, comportamentos autodestrutivos, anormalidades na alimentação e /ou sono e também no humor. 

O DSM-V (2013) classifica o autismo como Transtorno do Espectro Autista (TEA) e o CID como F84.0. Dentre os critérios diagnósticos aparecem os déficits de comunicação (verbal e não-verbal) e interação social, dificuldade de estabelecer laços afetivos. Os sintomas que aparecem no decorrer do desenvolvimento vão de movimentos estereotipados ao comprometimento significativo no funcionamento social e profissional do sujeito, e seu prejuízo varia de acordo com o ambiente e o indivíduo. 

O Transtorno do Espectro Autista engloba transtornos, como:

  • autismo infantil precoce,
  • autismo de Kanner, 
  • autismo de alto funcionamento, 
  • autismo atípico, 
  • transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação, 
  • transtorno desintegrativo da infância 
  • Asperger

Reunir tantos transtornos dentro de uma única nomenclatura tornou o autismo um grande foco nas áreas de pesquisa, políticas governamentais e na formação de profissionais capacitados para trabalhar com este transtorno. 

Transtorno Alimentares no Autismo

Em 2013 foi lançada a 5º edição do Manual de Diagnósticos de Transtornos Mentais (DSM 5). Este manual reuniu a síndrome de Asperger, transtorno desintegrativo da infância, transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação e o autismo em uma única nomenclatura: Transtorno do Espectro Autista. E inseriu o conceito dos níveis de gravidade, que em resumo são os níveis de suporte. Estes são os critérios para o diagnósticos do DSM-5 para o TEA:

  • déficits persistentes na comunicação e na interação social verbal e não verbal em múltiplos contextos 
  • padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades.

Fonte: COMPREENSÃO E PRÁTICAS BASEADAS EM EVIDÊNCIAS (2021)

Déficits persistentes na comunicação e na interação social verbal e não verbal em múltiplos contextos 

Simplificando, aprendemos a nos comunicar por três vias:

  • Imitação
  • Seguimento de Comandos 
  • Modelagem de comportamentos

Imitação

Quando vamos analisar o primeiro tópico reside alguns desafios para os familiares com crianças autistas, como a imitação. Uma das grandes vias de aprendizagem na vida é a imitação. E para imitar é necessário estar como foco atencional no outro. Através da imitação é possível saber até o que o outro está sentindo, pois, reproduzimos o que estamos vendo em nosso cérebro. As pesquisas indicam que fazemos isto através de um mecanismo chamado de neurônios espelho.

Se estou tomando um sorvete delicioso, minha expressão será clara para você que aquele sorvete deve ser bom. Pois, seu cérebro reproduziu tudo em milésimos de segundo. É possível que você resolva comprar o sorvete simplesmente por conta da minha reação. E pode ser que goste ou não do sorvete ao prová-lo. Mas pelo mesmo tentou!

Porém, crianças no espectro nem sempre observam nossas expressão por diversos motivos. Pode ser que tenha mais interesse em objetos que em pessoas. É possível que olhar para pessoas cause grande descarga, pois, todos nós temos excesso de expressões o tempo todo. É possível que esta criança nem te percebeu no ambiente devido a uma falha na discriminação de estimulos. Ainda podemos falar muito sobre este primeiro critério diagnóstico, porém, este documento é apenas para dar um panorama de toda a situação.

Seguimento de comandos e modelagem

        Digamos o seguinte cenário: 

Na sala de jantar estava tocando uma música, o jantar é uma sopa e ao lado prato do João que é um menino de 4 anos estão disponíveis uma colher e um garfo. [PAI] – João, use a colher para comer a sopa[JOÃO] O João pega a colher e come a sopa

O João:

  1. Precisou discriminar no ambiente a voz do pai.
  2. Entender o comando (fazer o pareamento do conceito colher com o som que o pai fez)
  3. Saber a diferença entre colher e garfo
  4. Discriminar no ambiente onde está a colher e garfo
  5. Processar a ação do movimento no cérebro
  6. Fazer a ação  (processamento motor preservado)
  7. E comer

    Só nesta sequência podemos encontrar muitos obstáculos dentro do Transtorno do Espectro Autista: discriminação de estímulos, pareamento de estímulos, diferença entre garfo e colher, processamento da ação, processamento motor e questões sensoriais com a comida líquida ou pastosa.

Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades.

No segundo tópico temos os padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. É necessário que os pais observem bem os seus filhos para conseguir enxergar estes padrões, pois, às vezes podem ser sutis.

Estereotipias

As estereotipias (stims) são definidas como movimentos repetitivos e rítmicos, sem uma função socialmente clara. Porém, sabe-se hoje que estes movimentos possuem algum significado para o indivíduo autista. Por exemplo, podem ser movimentos que geram alguma sensação de bem-estar ou equilíbrio (organização) em seu comportamento. Vale lembrar que não são só os autistas que possuem estereotipias, existem pessoas que possuem diversas estereotipias e não são autistas.

Quando pensamos no momento da refeição familiar, imaginamos uma família sentada em volta de uma mesa e usando talheres para comer. Os familiares costumam só se levantar ao acabar a refeição. Agora vamos imaginar duas famílias com crianças autistas. Uma menina que sua estereotipia é correr de uma lado para outro e um menino que é chocalhar qualquer objeto que entregue em suas mãos. Já podemos ver que a refeição em família não será nada fácil. 

Inflexibilidade

Insistência nas mesmas coisas, adesão inflexível a rotinas ou padrões ritualizados de comportamento verbal ou não verbal.  Para esta característica tenho dois casos concretos: um que recebi de uma seguidora do meu canal do Instagram e outro na pós-graduação em ABA.

Uma mãe mandou várias fotos da criança alinhando os pratos da mesa, talheres, potes dos alimentos, copos etc. A mãe relatou que a criança começou apenas alinhando o talheres e ao decorrer foi acrescentando novos itens. Só após finalizar o alinhamento de tudo a criança aceita iniciar a refeição. A criança entra em “crise” quando alguém tira um item da sequência. Na pós vi um caso de uma criança que só aceitava alimentos que fossem cortados em formato de triângulo. Outro caso comum são de crianças que só comem um alimento específico, de uma marca específica e com um formato específico.

Agora vamos pensar num bebezinho autista que passou por quase 10 meses de vida apenas com alimentos pastosos. E agora a mãe começa a introduzir os alimentos sólidos. No início a rejeição parece ser padrão. Porém, não há melhoria com tempo. A mãe não consegue fazer esta transição alimentar. E algumas vezes, acaba desistindo por um tempo (reforço intermitente do comportamento).

Hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais

Hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais ou interesse incomum por aspectos sensoriais do ambiente (como indiferença aparente à dor/temperatura, reação contrária a sons ou texturas específicas, cheirar ou tocar objetos de forma excessiva, fascinação visual por luzes ou movimentos).

Uma outra característica no autismo é a Alexitimia. Essa condição é a incapacidade de entender as sensações. Por exemplo, entender as sensações relacionadas à saciedade, dor, frio, calor.

“Embora a neurociência ainda não tenha sido capaz de explicar com detalhes as alterações sensoriais no cérebro das pessoas no TEA, sabemos que circuitos talâmicos de integração sensorial, circuitos cerebelares e do córtex parietal e pré-frontal são envolvidos na fisiopatologia da hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais.“ (IEPSIS, DR Paulo Liberalesso, 2021) 

Dentre tantas palavras difíceis segue um exemplo prático: digamos que a criança morda um pedaço de carne.  Ao invés, a sensação da informação de ser mandada para as partes adequadas do cérebro manda para outras partes. Com isso, por exemplo, a criança pode sentir dor  ou não sentir absolutamente nada, como nem estivesse comendo.

Cerca de 29% dos indivíduos autistas podem ter transtornos alimentares e é mais evidente em mulheres. E para piorar estes números são quase  1 mulher para 4 homens diagnosticados com autismo 

Como lidar com a exigência alimentar no TEA?

        Como lidar com uma exigência alimentar  no Transtorno do Espectro Autista quando torna-se um comportamento ruim para o desenvolvimento da criança? Adoraria dar uma resposta simples, mas infelizmente, para problemas complexos, teremos soluções igualmente complexas. 

Para traçar uma solução será necessário desenvolver um Plano de Intervenção Comportamental (PIC). Treinar e trabalhar o comportamento dos pais será essencial para alcançarem os objetivos desejados. O PIC inclui os seguintes tópicos:

  • Comportamento-alvo e avaliação funcional
    • Hipóteses 
      • Sensorial
      • Fuga da demanda
      • Atenção
      • Tangível
    • Coleta de dados
    • Avaliações
    • Testes
  • Reforçadores
  • Estratégias de prevenção
  • Estratégias de ensino
  • Consequências
  • Generalização e manutenção

    Lembre que é uma intervenção multidisciplinar. É muito interessante ter na equipe nutricionista, terapeuta ocupacional, analistas do comportamento que entendam realmente sobre autismo.

Unidade de Ensino

A unidade de ensino é o átomo da Análise do Comportamento Aplicada (ABA). Da mesma forma que moléculas são compostas de átomos, várias unidades de ensino irão compor um Programa Terapêutico em uma sessão. 

Schrodinger (o cara do gato na caixa) nos ensinou que o átomo é composto por prótons, nêutrons e elétrons. Sabemos que a unidade de ensino é composta de vários elementos, como: obter a atenção da criança, antecedente, resposta, consequência da resposta (reforço ou correção de erro). 

Acredito que neste momento você já percebeu que a unidade de ensino é sinônimo de uma tentativa na atividade, em que a criança pode: errar, precisar de um nível de ajuda (total ou parcial) ou fazer de forma independente.

Independente se você está aplicando um procedimento naturalísticos (naturalista) ou estruturado. É muito importante entender sobre a composição da unidade de ensino. O registro bem feito dessa unidade é base para que possamos conhecer o desenvolvimento da criança.

Outro ponto é que terapeutas mais experientes conseguem proporcionar à criança mais unidades de ensino em menos tempo, mesmo usando procedimentos naturalísticos. A terapia é formada por essas unidades de ensino. Não adianta se falar em horas de terapia se a taxa de ensino (unidades/tempo) for baixa. 

Gostou? Então, se cadastre no site para baixar o conteúdo gratuíto.

Técnicas de Correção de Erro

Quando nossas crianças precisam de um nível de ajuda mais elevado, iniciamos os programas seguindo o conceito do erro zero. Antecedemos qualquer possível erro para que a criança aprenda a atividade.

Porém, não podemos ficar dando sempre este nível de ajuda (https://daniacf.com/blog/niveis-de-ajuda/) tão elevado. Precisamos saber se nossa criança está aprendendo conforme as tentativas. Para isso, vamos reduzindo essa ajuda, porém, é neste ponto que começam aparecer alguns erros que precisam ser imediatamente corrigidos.

As técnicas de correção de erro são estratégias apresentadas após uma resposta incorreta que aumentam a probabilidade de uma resposta correta ocorrer no futuro. Uma estratégia que é eficiente é a que promove respostas independentes com o menor número de sessões, tentativas ou tempo.

Precisamos ficar sensíveis a necessidade de cada criança e ficar atentos para que esta correção não fique aversiva. Devemos sempre trabalhar com a motivação de nossa criança. Hoje vou te ensinar algumas técnicas, cada técnica será melhor para uma criança e para uma atividade específica. Devemos lembrar também que o erro nunca é da criança, o erro é nosso. Quer dizer que não fomos sensíveis suficiente as necessidades da criança.

Uma alerta antes de começar qualquer técnica de correção de erro é de não reforçar uma cadeia comportamental com erro. Por exemplo: você apresenta para criança a letra A e a letra E. Solicita que a criança selecione a letra A. Porém, a criança seleciona a letra E e você simplesmente pega a mão dela, leva para a letra A e reforça. Então, não faça isto! Reforçar uma cadeia comportamental com erro é gravíssimo!

Referências:

MacGhan & Lerman, 2013

Barbetta, Garça-real e Heward, 1993; Rapp et al., 2012; Rodgers e Iwata, 1991; Worsdell et al., 2005

Smith et al., 2006

Smith, Mruzek, Wheat & Hughes, 2006

Thiessen et al., 2009

Wolery, 1991

Inclusão Escolar e o Dilema do Maquinista

O Dilema do Trem é um experimento clássico discutido em várias áreas do conhecimento. O objetivo é estudar o modo como tomamos decisões e confrontar diferentes perspectivas sobre uma mesma situação.

Neste dilema você está vendo um trem que  avança sem freios e está prestes a atropelar cinco pessoas que estão sobre a linha férrea. Porém, você está ao lado de uma alavanca que, caso seja puxada, consegue desviar o trajeto da composição. No entanto, neste novo cenário o trem vai atropelar outra pessoa na linha ao lado. Você tem apenas dez segundos para tomar uma decisão. O que fazer?

Agora mudando o cenário da ferrovia para o processo de inclusão escolar. Hoje existem duas vertentes, uma que diz que devemos obrigatoriamente colocar nossos filhos em escolas comuns e outra que devemos colocar nossos filhos em clínicas escola.

No primeiro cenário a sociedade só ganha. Aprender com a diversidade é um dos grandes presentes que podemos dar às nossas crianças. Porém, existem crianças que o perfil sensorial não irá se adequar a quantidade de estímulos que um ambiente escolar padrão possui. E com isso, poderá perder oportunidades de janelas neurodesenvolvimento, como a comunicação através da fala.

No outro cenário temos a criança sendo desenvolvida no seu maior potencial na clínica escola. Porém, os pares da mesma idade não enxergarão esta criança. Não crescerão com a diversidade. E essas crianças no futuro são os indivíduos que cuidarão de nossos filhos* quando não estivermos mais aqui…mas eles não sabem que eles existem

Então, não existem respostas certas ou erradas. Existem escolhas.

*Caso nossos filhos não consigam ter independência na fase adulta. Afinal, nossos filhos podem ter outras comorbidades que não conseguimos ver imediatamente, só o tempo dirá. 

Níveis de Ajuda

Os programas terapêuticos tem como objetivo trabalhar atividades em que nossas crianças não ainda não tem domínio. Atividades que por muitas vezes são muito difíceis para os nossos pequenos.

Para isso, é necessário dar dicas ou ajudas (prompts). A dica é um tipo de ajuda em que corrobora para a resposta adequada e deve ser usada temporariamente até que a criança consiga fazer de forma independente. As dicas podem estar:

  • nos materiais usados. Exemplos:
    • modificar o tamanho do objeto 
    • modificar a cor para ficar mais chamativo
  • nas respostas. 
    • ajuda física
    • ajuda gestual

Saber o nível de ajuda que está dando para criança é essencial para saber a taxa de aprendizado. Existem três elementos essenciais na Análise do Comportamento Aplicada (ABA) ao se fazer os registros: data, número da tentativa e o nível de ajuda. Cada programa tem um número de tentativas pré estabelecido. Então, ao aplicar o programa com a criança precisamos ficar atentos ao nível de ajuda que fornecemos. Segue uma tabela com os tipos de ajuda mais comuns que podemos oferecer:

Olhando a última coluna da tabela é possível verificar o nível de ajuda fornecido (TOTAL| PARCIAL). Alguns autores são a favor do registro mais minimalista: COM AJUDA, ERRADO, INDEPENDENTE. Então, isso irá mudar de clínica para clínica.

Segue um exemplo prático:

Os níveis de ajuda de menos para mais costumam ser usados nas abordagens naturalísticas. Já as intervenções em que os níveis de ajuda vão de mais para menos costumam ser mais utilizadas nas abordagens estruturadas. Não existe forma certa ou errada, tudo dependerá da necessidade da criança.

É essencial que fiquemos sensíveis ao esvanecimento das ajudas para que nossa criança consiga fazer de forma independente. Espero que tenha gostado do texto e aproveite para assistir às aulas sobre níveis de ajuda. Lá você encontrará muito mais exemplos práticos.

Terapia em Casa

  1. INTRODUÇÃO

Nós vivemos em um dos maiores países do mundo. Um país imenso, muito populoso e pouco povoado. Isso quer dizer que existirão diversas regiões em que alguns profissionais simplesmente não existirão em um grande raio de distância.

Temos que lembrar que o Brasil é um país pobre. Grande parte da população não tem acesso a planos de saúde ou condições de desembolsar os valores mensais de uma terapia. E infelizmente o SUS e nem os sistemas públicos educacionais estão equipados para isso.

E ainda temos mais um agravante: não temos profissionais capacitados em número suficiente para atender à imensa demanda de crianças que precisam de intervenção. Simplesmente eles não existem.

Um profissional capacitado na área da ABA precisa ter uma formação superior, ter uma pós graduação em ABA e um supervisor. Este supervisor tem que ter um mestrado em Análise do Comportamento, uma pós graduação em ABA e no mínimo 5 anos de experiência clínica.

Se você leu tudo que escrevi até agora, acredito que chegou à seguinte conclusão: a terapia em casa através do empoderamento parental é o único caminho que temos.

  1. COMO VIABILIZAR

Para que isso seja viável, precisamos olhar antes para nós e firmar um contrato com nossa rede de apoio (mulher, marido, vó, vô, tia, tio, amiga, amigo etc). 

Precisamos de nossas limitações. Como por exemplo, saber quais horas do dia e quais dias da semana vamos poder nos dedicar a sentar no chão com nossos filhos e aplicar as terapias. E quando vamos poder contar com a nossa rede de apoio.

É necessário separar algumas horas por semana para estudar (cursos, livros, artigos etc), revisar a programação feita com a sua criança durante a semana, analisar o desempenho e preparar para a próxima etapa.

É muito importante os pais terem orientação parental, pelo menos mensal. O orientador passará os programas terapêuticos, ensinará os cuidadores como aplicar, irá revisar e analisar os resultados. É importante também que este orientador conheça a rotina da casa e saiba das limitações da família.

E por último, é essencial uma avaliação. A criança precisa passar por uma avaliação bem feita. Precisamos saber o que essa criança sabe fazer, o que ela não sabe fazer e o que ela não deveria estar fazendo. O orientador só poderá montar os programas se a criança foi avaliada. É importante que a criança seja reavaliada pelo menos uma vez ao ano.

  1. REDE DE APOIO

Em uma pesquisa, quarenta e cinco mães foram recrutadas a partir de encaminhamentos consecutivos para um programa estadual para indivíduos com autismo na Carolina do Norte, Estados Unidos.

O estudo constatou que as mães do grupo de baixo estresse relataram maior apoio percebido. Também descobriu que, para todas as mães, a fonte de apoio mais importante que levou a menores níveis de estresse eram cônjuges, parentes das mães e outros pais e crianças com deficiência. 

Mães que perceberam maior apoio também relataram significativamente menos depressão, sintomas e casamentos mais felizes. Porém, dentre os familiares e amigos poucos de fato compõem uma real rede de apoio. Muitos são apenas alheios às necessidades dos pais com filhos autistas ou causam danos.

Para auxiliar os pais a filtrar a verdadeira rede apoio seguem as perguntas que compõem a escala de Whalen e Lachman para análise de rede de apoio:

  1. Quantos deles (família, amigos, parceiro) realmente se importam com você?  

Para as próximas perguntas, avaliar as pessoas elencadas na pergunta 1 com uma nota de 1 a 4 (1 = muito a 4 = pouco)

  1. Quantos deles entendem o que você sente sobre as coisas? O quanto você pode confiar neles para obter ajuda se você tiver um problema sério? Medida de 1 a 4  (1 = muito a 4 = pouco)
  2. O quanto você pode se abrir para eles se precisar conversar sobre suas preocupações?

A escala possui perguntas relacionadas ao (a) parceiro (a):

  1. Quanto ele (ela) aprecia você?
  2. Quanto você pode relaxar e estar-se ao lado dele(a)? 

E perguntas de análise pessoal:

  1. O quanto você se sente preocupada (o)? 
  2. O quanto você se sente infeliz?
  3. Qual o seu grau de satisfação?

Nesse momento você elencou pessoas confiáveis, afetuosas e que aceitem e se preocupem contigo, e que estejam dispostas a escutar e a oferecer apoio. Agora você deve treinar essas pessoas para compor sua rede de apoio.

4) CONHECENDO NOSSAS LIMITAÇÕES

Vamos ser sinceros com nós mesmos. Se trabalhamos 8 horas por dia, gastamos 2 horas com transporte e ainda temos afazeres domésticos, sabemos que não vamos conseguir fazer 8 horas de terapia com nossos filhos diariamente. Mas é possível fazer 1 hora por dia  muito bem feita. 

Precisamos ter em mente que podemos adoecer e nestes dias não haverá terapia. E está tudo bem. O importante é cuidar da saúde e esperar o dia que estiver saudável para continuar.

5) ESTUDAR

Estudar é inevitável para os pais que virão coterapeutas. É necessário reservar algumas horas por semana para estudar. É necessário investir em bons cursos e bons livros.

Para quem está começando neste mundo do autismo recomendo cursos de pais. Aliás, no meu site você encontrará um curso gratuito para pais. Basta acessar: www.daniacf.com. O curso de pais te ajudará a evitar entrar em golpes.

Se você já está neste mundo do autismo a um tempo, procure um curso de Atendente Terapêutico (AT). O curso de AT te ensinará como desenvolver as terapias com seu filho.

Livros que recomendo:

6) AVALIAÇÃO

6.1) COMO SE PREPARAR PARA AVALIAÇÃO DE PREFERÊNCIAS

Antes de iniciar as avaliações recomendo levar estas perguntas respondidas ao terapeuta que irá avaliar sua criança:

  • Como foi a gestação e  nascimento
  • Quando começaram a identificar os sinais
  • Teve diagnóstico ou solicitação médica? Anexe a solicitação
  • Como está a saúde dos familiares
  • Toma alguma medicação ou suplementação?
  • Problemas de saúde da criança
  • Cuidadores e familiares
    • Pessoas que têm contato com a criança. 
    • Parentesco
    • Número de horas que ficam com a criança semanalmente
    • Como é relacionamento
      • Faz parte dos cuidados pessoais (comida, banho, fraldas, sono)?
      • Quais brincadeiras sociais têm juntas?
  • Estereotipias
    • Descreva as que faz quando está feliz
    • Descreva as que faz quando está chateado
    • Descreva as demais estereotipias
  • Brinquedos e objetos favoritos
    • Como a criança brinca?
    • Quais os brinquedos que a criança possui. É importante a família sempre atualizar a terapeuta com as possibilidades.
    • Têm preferência por brincar em horários ou locais específicos.
  • Alimentação
    • Alimentos preferidos
    • Como é a alimentação familiar?
    • Horários estabelecidos?
    • Independência alimentar:
      • Uso do garfo: independente, ajuda parcial, ajuda total
      • Uso da colher: independente, ajuda parcial, ajuda total
      • ect
  • Brincadeiras preferidas
    • sociais
      • como? com quem? onde?
    • sozinho 
      • como? onde?
  • Ajuda nos cuidados da casa (mesmo com ajuda total). Exemplos:
    • Leva a mamadeira para pia?
    • Limpa o chão quando suja?
    • Leva o prato para pia?
    • Joga a fralda no lixo?
  • Banho, escovar os dentes e vestuário
    • independente, ajuda parcial, ajuda total
  • Sono
  • Horários que a criança fique mais disposta e menos dispostas
  • Comportamentos inadequados e/ou disruptivos
  • Rotina familiar dos horários dos cuidadores com a criança

6.2) AVALIAÇÃO DE PREFERÊNCIAS

As avaliação das preferências da criança pode ser:

  • Diretas
    • Tentativas
      • Único
      • Pares
      • Múltiplos
    • Operantes livres
      • Naturalístico
      • Planejado
  • Indiretas
    • Checklists
    • Entrevistas
      • Estruturado
      • Não estruturados

6.3) AVALIAÇÃO DE REPERTÓRIO COMPORTAMENTAL

As avaliações comportamentais podem ser:

  • Avaliações diretas
    • Análises Descritivas
      • Observações estruturadas
      • Narrativas ABC
      • Scatterplot
    • Análises Funcionais
      • AB
      • ABC
  • Avaliações indiretas
    • Entrevistas
    • Escalas
    • Checklist

Neste texto vamos focar em duas avaliações que são consideradas por alguns autores como semiestruturadas: VB-MAPP e PORTAGE.

O VB-MAPP é uma avaliação comportamental de linguagem para crianças com TEA ou atrasos de desenvolvimento, sua primeira edição foi em 2008. Ela é dividida em:

  • Avaliação de Marcadores
    • Possui 170 marcadores de desenvolvimento dividido em três níveis (0 a 18 meses, 18 a 30 meses, 30 a 48 meses).
    • As áreas de avaliação são:
      • mando, 
      • tato, 
      • imitação, 
      • performance visual, 
      • ouvinte,
      • brincar
      • ecoico, 
      • vocal,
      • brincar social
      • etc
  • Avaliação de Barreiras
    • Avalia-se a ausência de comportamentos pré-requisitos, que impedem ou dificultam o desenvolvimento comportamental do aprendiz
  • Avaliação de Transição
    • Avalia-se:
      • rapidez na qual se aprende novas habilidades dentro e fora do ambiente estruturado/terapia ABA, 
      • quais eventos comumente funcionam como reforçadores, 
      • tempo de retenção de novas habilidades
      • habilidades de autocuidado (uso do banheiro e alimentação), 
      • adaptabilidade a mudanças e espontaneidade ao brincar
  • Análise de Tarefas e Rastreamento de Habilidade
    • Avalia os precursores das habilidades da Avaliação de Marcadores
  • Adequação e Objetivos do Programa de Educação Individualizada
    • O que ajudará a construir o PEI da criança. o profissional deverá analisar as pontuações específicas e correlacioná-las com o desempenho da criança em cada área individualmente, identificando pontos fortes (e talvez compensatórios) e pontos fracos

Sobre o PORTAGE recomendo que adquiram o livro que baseou-se na tese de Doutorado de Lúcia defendida na USP, em 1983, que realizou estudo experimental para demonstrar que mães de crianças com deficiência poderiam ser orientadas em treino domiciliar, de forma a acelerar o desenvolvimento dos filhos (na ocasião, Ana Lúcia R. Aiello atuou como assistente de pesquisa). 

A intervenção baseou-se no Guia Portage de Educação Pré-escolar desenvolvido nos Estados Unidos, na cidade de Portage, Wisconsin, cujos autores originais foram Bluma, Shearer, Frohman & Hilliard, 1978.

O Guia Portage consiste em uma listagem de 580 comportamentos de crianças de 0 a 6 anos para as áreas de Desenvolvimento Motor, Linguagem, Cognição, Socialização, Autocuidados e uma área específica para bebês de 0-4 meses denominada de Estimulação Infantil.

ORIENTAÇÃO PARENTAL ONLINE

A intervenção pode ocorrer de várias formas na modalidade online, aqui vou descrever duas formas: síncrona e assíncrona. Na modalidade síncrona, o terapeuta estará diretamente ao vivo ou com a criança ou com a família. Na assíncrona o atendimento não será ao vivo. Devo salientar que os dois modelos são complementares.

Modalidade síncrona

A modalidade síncrona depende do repertório da criança. Na avaliação o terapeuta possivelmente levantou as barreiras de aprendizagem, dependendo das barreiras ficará inviável uma sessão direta com a criança. Por exemplo, se a criança não fica um tempo considerável sentada ou olhando para a tela. 

A sessão síncrona poderá ser o terapeuta orientando os pais a aplicar os programas de intervenção. Isso exigirá que o terapeuta verifique previamente se o posicionamento da câmera do celular ou computador está adequado, se a conexão         está bem estabelecida, se os pais já separam os instrumentos e os reforçadores e se os pais possuem habilidades de atenção compartilhada. Vale lembrar aqui que o autismo têm grande parcela genética e que muitos pais estão no fenótipo expandido. 

O terapeuta em tempo real deverá fazer os registros e dar as orientações sobre os níveis de ajuda, reforçamento e pequenas adequações na topografia da atividade. Se a criança tiver um bom repertório de comunicação, a terapeuta poderá participar de algumas atividades.

Neste modelo também cabe às sessões apenas com os pais, que são as sessões de alinhamento. Os pais levarão suas dúvidas pontuais. O terapeuta poderá explicar em detalhes sobre adequações dos programas.

Modalidade assíncrona

A modalidade assíncrona têm inúmeras vantagens, entre elas a possibilidade de trabalhar com a criança no modelo naturalista. Na modalidade síncrona precisamos ficar delimitados tempo da sessão. Durante a sessão devem entrar vários programas. O que pode ser exaustivo para os pais e para a criança. É possível aplicar nos momentos que a criança está mais ativa, sem a preocupação do agendamento de horário.

Existem várias forma de desenvolver a modalidade assíncrona:

  1. Os pais recebem o treinamento do programa e como desenvolver os registros. Em épocas determinadas enviam os registros e é marcada a reavaliação. 
    • Ideal para famílias de baixa renda.
    • O relatório será emitido a cada reavaliação.
  2. Os pais recebem o treinamento do programa e como desenvolver os registros. Enviam semanalmente os dados e dúvidas para que a terapeuta analise os dados e responda. 
    • Ideal para famílias que só podem pagar uma sessão por semana.
    • O relatório será emitido a cada semana.
  3. Os pais recebem o treinamento do programa. Filmam todas as sessões e encaminham para a terapeuta junto com as dúvidas.
    • Ideal para famílias que podem pagar mais sessões e possuem preferência pela orientação parental.
    • O relatório será emitido a cada sessão.

O relatório é basicamente o gráfico dos dados da curva de aprendizagem. Para verificar o desenvolvimento da criança. Através destes dados o terapeuta saberá se será necessário fazer adequações do programa de intervenção, se o reforçador está adequado ou modificações na topografia. 

Feito vários ajustes e a criança não está aprendendo, o terapeuta terá embasamento para instruir a família a voltar ao um neuropediatra ou outro médico responsável. 

Sabe-se que problemas como epilepsias (mesmo sem ser visível como uma convulsão), paralisia cerebral e distúrbios de processamento sensorial atrapalham na aprendizagem.

Fontes:

Bristol, M. M. (1984). Family resources and successful adaptation to autistic children. In E. Schopler & G. B. Mesibov (Eds.), The effects of autism on the family (pp. 290– 308). New York: Plenum Press.

Whalen, H. R., & Lachman, M. E. (2000). Social support and strain from partner, family and friends: Costs and benefits for men and women in adulthood. Journal of Social and Personal Relationships, 17, 5–30.

https://www.jurua.com.br/shop_item.asp?id=27011 (14 de setembro de 2021)

COMPORTAMENTOS INAPROPRIADOS

Antes de começar a falar simplesmente sobre comportamentos inapropriados, temos que entender que cada comportamento tem uma função. Então, repita comigo: “todo comportamento tem uma função”.

Entender comportamentos inapropriados em crianças com baixo repertório de comunicação pode ser um desafio hercúleo, por isso, é muito importante observar e analisar para levantar hipóteses. 

Para ser mais didática vou adotar uma visão mais minimalista em que trabalhamos com 4 funções do comportamento: atenção, sensorial, tangível e fuga. É importante ter em mente que um comportamento pode ser uma relação entre estas funções.

A atenção é quando o indivíduo faz um comportamento com o objetivo de obter a atenção de outro. A fuga é quando o indivíduo deseja escapar de uma situação ou demanda. O tangível é quando o indivíduo deseja algo tangível (por exemplo um objeto). O sensorial está relacionado às sensações. 

Outra coisa que é muito importante é entender que o comportamento é composto por: antecedente, comportamento (behave) e consequência. A consequência é responsável por este comportamento aumentar ou reduzir de frequência. O antecedente é o evento, situação ou meio que corrobora para a ocorrência de um comportamento.

Pronto, agora sim podemos entrar no assunto sobre comportamentos inapropriados. Para entender o comportamento inapropriado precisamos entender qual é o antecedente, descrever o comportamento e analisar o que acontece logo em seguida. 

Um analista do comportamento é extremamente importante para estudar estes três elementos. Mas já vou trazer aqui algumas perguntas importantes que você deve se fazer para começar a entender estes elementos.

  • Qual o comportamento avaliado?
  • Quando costuma ocorrer?
  • Qual a complexidade de comunicação (repertório) deste indivíduo? 
  • ANTECEDENTE
    • O que acontece antes do comportamento?
    • Pode ser algo relacionado a saúde? Como dor?
    • Só acontece perto de alguém específico?
    • Ocorre quando o cuidador está prestando atenção em outra coisa?
    • Ocorre quando é solicitado uma demanda?
    • Ocorre quando quer algo?
    • Ocorre mesmo sem ninguém por perto, sem demandas ou sem parecer querer algo?
    • Ocorre mesmo quando está fazendo algo que está engajado?
    • Ocorre em decorrência de uma “autoestimulação”? Parece uma forma de desordem?
  • CONSEQUÊNCIA
    • O que ocorre logo após o comportamento?
    • O comportamento está aumentando de frequência?

Com todas estas perguntas respondidas com muita atenção, você levantará as hipóteses das funções do comportamento: atenção, sensorial, tangível e/ou fuga. Apenas um analista de comportamento com muita experiência poderá testar estas hipóteses.

As Camadas do Autismo

O autismo pode vir com camadas. Estas camadas são outras condições psiquiatra associadas que podem tornar as intervenções ainda mais desafiadoras. Uma pesquisa publicada em 2019 (fonte no final do texto) com 658 crianças autistas trouxe que 66% delas tinham outro transtorno associado.

  • 59% tinham QI> 70. 
  • 81% Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH)
  • 46% Transtorno Opositor Desafiador (TOD)
  • 42% Transtorno de Ansiedade 
  • 8% Qualquer transtorno de humor

Por isso, precisamos ficar atentos à curva de aprendizagem de nossas crianças para que possamos tomar as decisões adequadas. Solicite dos terapeutas os relatórios das intervenções e leve ao médico responsável por sua criança.

Uma criança que não está alcançando a criança estatística (dados médios) deve ser reavaliada por uma equipe multiprofissional. E lembre que o tempo não é nosso amigo. Precisamos ser ágeis para aproveitar as janelas de oportunidade.

Fonte:

Luc Lecavalier Courtney E. McCracken, Michael G. Aman, et al. An exploration of concomitant psychiatric disorders in children with autism spectrum disorder.  Comprehensive Psychiatry,2019; 88: 57-64.