Terapia em Casa

  1. INTRODUÇÃO

Nós vivemos em um dos maiores países do mundo. Um país imenso, muito populoso e pouco povoado. Isso quer dizer que existirão diversas regiões em que alguns profissionais simplesmente não existirão em um grande raio de distância.

Temos que lembrar que o Brasil é um país pobre. Grande parte da população não tem acesso a planos de saúde ou condições de desembolsar os valores mensais de uma terapia. E infelizmente o SUS e nem os sistemas públicos educacionais estão equipados para isso.

E ainda temos mais um agravante: não temos profissionais capacitados em número suficiente para atender à imensa demanda de crianças que precisam de intervenção. Simplesmente eles não existem.

Um profissional capacitado na área da ABA precisa ter uma formação superior, ter uma pós graduação em ABA e um supervisor. Este supervisor tem que ter um mestrado em Análise do Comportamento, uma pós graduação em ABA e no mínimo 5 anos de experiência clínica.

Se você leu tudo que escrevi até agora, acredito que chegou à seguinte conclusão: a terapia em casa através do empoderamento parental é o único caminho que temos.

  1. COMO VIABILIZAR

Para que isso seja viável, precisamos olhar antes para nós e firmar um contrato com nossa rede de apoio (mulher, marido, vó, vô, tia, tio, amiga, amigo etc). 

Precisamos de nossas limitações. Como por exemplo, saber quais horas do dia e quais dias da semana vamos poder nos dedicar a sentar no chão com nossos filhos e aplicar as terapias. E quando vamos poder contar com a nossa rede de apoio.

É necessário separar algumas horas por semana para estudar (cursos, livros, artigos etc), revisar a programação feita com a sua criança durante a semana, analisar o desempenho e preparar para a próxima etapa.

É muito importante os pais terem orientação parental, pelo menos mensal. O orientador passará os programas terapêuticos, ensinará os cuidadores como aplicar, irá revisar e analisar os resultados. É importante também que este orientador conheça a rotina da casa e saiba das limitações da família.

E por último, é essencial uma avaliação. A criança precisa passar por uma avaliação bem feita. Precisamos saber o que essa criança sabe fazer, o que ela não sabe fazer e o que ela não deveria estar fazendo. O orientador só poderá montar os programas se a criança foi avaliada. É importante que a criança seja reavaliada pelo menos uma vez ao ano.

  1. REDE DE APOIO

Em uma pesquisa, quarenta e cinco mães foram recrutadas a partir de encaminhamentos consecutivos para um programa estadual para indivíduos com autismo na Carolina do Norte, Estados Unidos.

O estudo constatou que as mães do grupo de baixo estresse relataram maior apoio percebido. Também descobriu que, para todas as mães, a fonte de apoio mais importante que levou a menores níveis de estresse eram cônjuges, parentes das mães e outros pais e crianças com deficiência. 

Mães que perceberam maior apoio também relataram significativamente menos depressão, sintomas e casamentos mais felizes. Porém, dentre os familiares e amigos poucos de fato compõem uma real rede de apoio. Muitos são apenas alheios às necessidades dos pais com filhos autistas ou causam danos.

Para auxiliar os pais a filtrar a verdadeira rede apoio seguem as perguntas que compõem a escala de Whalen e Lachman para análise de rede de apoio:

  1. Quantos deles (família, amigos, parceiro) realmente se importam com você?  

Para as próximas perguntas, avaliar as pessoas elencadas na pergunta 1 com uma nota de 1 a 4 (1 = muito a 4 = pouco)

  1. Quantos deles entendem o que você sente sobre as coisas? O quanto você pode confiar neles para obter ajuda se você tiver um problema sério? Medida de 1 a 4  (1 = muito a 4 = pouco)
  2. O quanto você pode se abrir para eles se precisar conversar sobre suas preocupações?

A escala possui perguntas relacionadas ao (a) parceiro (a):

  1. Quanto ele (ela) aprecia você?
  2. Quanto você pode relaxar e estar-se ao lado dele(a)? 

E perguntas de análise pessoal:

  1. O quanto você se sente preocupada (o)? 
  2. O quanto você se sente infeliz?
  3. Qual o seu grau de satisfação?

Nesse momento você elencou pessoas confiáveis, afetuosas e que aceitem e se preocupem contigo, e que estejam dispostas a escutar e a oferecer apoio. Agora você deve treinar essas pessoas para compor sua rede de apoio.

4) CONHECENDO NOSSAS LIMITAÇÕES

Vamos ser sinceros com nós mesmos. Se trabalhamos 8 horas por dia, gastamos 2 horas com transporte e ainda temos afazeres domésticos, sabemos que não vamos conseguir fazer 8 horas de terapia com nossos filhos diariamente. Mas é possível fazer 1 hora por dia  muito bem feita. 

Precisamos ter em mente que podemos adoecer e nestes dias não haverá terapia. E está tudo bem. O importante é cuidar da saúde e esperar o dia que estiver saudável para continuar.

5) ESTUDAR

Estudar é inevitável para os pais que virão coterapeutas. É necessário reservar algumas horas por semana para estudar. É necessário investir em bons cursos e bons livros.

Para quem está começando neste mundo do autismo recomendo cursos de pais. Aliás, no meu site você encontrará um curso gratuito para pais. Basta acessar: www.daniacf.com. O curso de pais te ajudará a evitar entrar em golpes.

Se você já está neste mundo do autismo a um tempo, procure um curso de Atendente Terapêutico (AT). O curso de AT te ensinará como desenvolver as terapias com seu filho.

Livros que recomendo:

6) AVALIAÇÃO

6.1) COMO SE PREPARAR PARA AVALIAÇÃO DE PREFERÊNCIAS

Antes de iniciar as avaliações recomendo levar estas perguntas respondidas ao terapeuta que irá avaliar sua criança:

  • Como foi a gestação e  nascimento
  • Quando começaram a identificar os sinais
  • Teve diagnóstico ou solicitação médica? Anexe a solicitação
  • Como está a saúde dos familiares
  • Toma alguma medicação ou suplementação?
  • Problemas de saúde da criança
  • Cuidadores e familiares
    • Pessoas que têm contato com a criança. 
    • Parentesco
    • Número de horas que ficam com a criança semanalmente
    • Como é relacionamento
      • Faz parte dos cuidados pessoais (comida, banho, fraldas, sono)?
      • Quais brincadeiras sociais têm juntas?
  • Estereotipias
    • Descreva as que faz quando está feliz
    • Descreva as que faz quando está chateado
    • Descreva as demais estereotipias
  • Brinquedos e objetos favoritos
    • Como a criança brinca?
    • Quais os brinquedos que a criança possui. É importante a família sempre atualizar a terapeuta com as possibilidades.
    • Têm preferência por brincar em horários ou locais específicos.
  • Alimentação
    • Alimentos preferidos
    • Como é a alimentação familiar?
    • Horários estabelecidos?
    • Independência alimentar:
      • Uso do garfo: independente, ajuda parcial, ajuda total
      • Uso da colher: independente, ajuda parcial, ajuda total
      • ect
  • Brincadeiras preferidas
    • sociais
      • como? com quem? onde?
    • sozinho 
      • como? onde?
  • Ajuda nos cuidados da casa (mesmo com ajuda total). Exemplos:
    • Leva a mamadeira para pia?
    • Limpa o chão quando suja?
    • Leva o prato para pia?
    • Joga a fralda no lixo?
  • Banho, escovar os dentes e vestuário
    • independente, ajuda parcial, ajuda total
  • Sono
  • Horários que a criança fique mais disposta e menos dispostas
  • Comportamentos inadequados e/ou disruptivos
  • Rotina familiar dos horários dos cuidadores com a criança

6.2) AVALIAÇÃO DE PREFERÊNCIAS

As avaliação das preferências da criança pode ser:

  • Diretas
    • Tentativas
      • Único
      • Pares
      • Múltiplos
    • Operantes livres
      • Naturalístico
      • Planejado
  • Indiretas
    • Checklists
    • Entrevistas
      • Estruturado
      • Não estruturados

6.3) AVALIAÇÃO DE REPERTÓRIO COMPORTAMENTAL

As avaliações comportamentais podem ser:

  • Avaliações diretas
    • Análises Descritivas
      • Observações estruturadas
      • Narrativas ABC
      • Scatterplot
    • Análises Funcionais
      • AB
      • ABC
  • Avaliações indiretas
    • Entrevistas
    • Escalas
    • Checklist

Neste texto vamos focar em duas avaliações que são consideradas por alguns autores como semiestruturadas: VB-MAPP e PORTAGE.

O VB-MAPP é uma avaliação comportamental de linguagem para crianças com TEA ou atrasos de desenvolvimento, sua primeira edição foi em 2008. Ela é dividida em:

  • Avaliação de Marcadores
    • Possui 170 marcadores de desenvolvimento dividido em três níveis (0 a 18 meses, 18 a 30 meses, 30 a 48 meses).
    • As áreas de avaliação são:
      • mando, 
      • tato, 
      • imitação, 
      • performance visual, 
      • ouvinte,
      • brincar
      • ecoico, 
      • vocal,
      • brincar social
      • etc
  • Avaliação de Barreiras
    • Avalia-se a ausência de comportamentos pré-requisitos, que impedem ou dificultam o desenvolvimento comportamental do aprendiz
  • Avaliação de Transição
    • Avalia-se:
      • rapidez na qual se aprende novas habilidades dentro e fora do ambiente estruturado/terapia ABA, 
      • quais eventos comumente funcionam como reforçadores, 
      • tempo de retenção de novas habilidades
      • habilidades de autocuidado (uso do banheiro e alimentação), 
      • adaptabilidade a mudanças e espontaneidade ao brincar
  • Análise de Tarefas e Rastreamento de Habilidade
    • Avalia os precursores das habilidades da Avaliação de Marcadores
  • Adequação e Objetivos do Programa de Educação Individualizada
    • O que ajudará a construir o PEI da criança. o profissional deverá analisar as pontuações específicas e correlacioná-las com o desempenho da criança em cada área individualmente, identificando pontos fortes (e talvez compensatórios) e pontos fracos

Sobre o PORTAGE recomendo que adquiram o livro que baseou-se na tese de Doutorado de Lúcia defendida na USP, em 1983, que realizou estudo experimental para demonstrar que mães de crianças com deficiência poderiam ser orientadas em treino domiciliar, de forma a acelerar o desenvolvimento dos filhos (na ocasião, Ana Lúcia R. Aiello atuou como assistente de pesquisa). 

A intervenção baseou-se no Guia Portage de Educação Pré-escolar desenvolvido nos Estados Unidos, na cidade de Portage, Wisconsin, cujos autores originais foram Bluma, Shearer, Frohman & Hilliard, 1978.

O Guia Portage consiste em uma listagem de 580 comportamentos de crianças de 0 a 6 anos para as áreas de Desenvolvimento Motor, Linguagem, Cognição, Socialização, Autocuidados e uma área específica para bebês de 0-4 meses denominada de Estimulação Infantil.

ORIENTAÇÃO PARENTAL ONLINE

A intervenção pode ocorrer de várias formas na modalidade online, aqui vou descrever duas formas: síncrona e assíncrona. Na modalidade síncrona, o terapeuta estará diretamente ao vivo ou com a criança ou com a família. Na assíncrona o atendimento não será ao vivo. Devo salientar que os dois modelos são complementares.

Modalidade síncrona

A modalidade síncrona depende do repertório da criança. Na avaliação o terapeuta possivelmente levantou as barreiras de aprendizagem, dependendo das barreiras ficará inviável uma sessão direta com a criança. Por exemplo, se a criança não fica um tempo considerável sentada ou olhando para a tela. 

A sessão síncrona poderá ser o terapeuta orientando os pais a aplicar os programas de intervenção. Isso exigirá que o terapeuta verifique previamente se o posicionamento da câmera do celular ou computador está adequado, se a conexão         está bem estabelecida, se os pais já separam os instrumentos e os reforçadores e se os pais possuem habilidades de atenção compartilhada. Vale lembrar aqui que o autismo têm grande parcela genética e que muitos pais estão no fenótipo expandido. 

O terapeuta em tempo real deverá fazer os registros e dar as orientações sobre os níveis de ajuda, reforçamento e pequenas adequações na topografia da atividade. Se a criança tiver um bom repertório de comunicação, a terapeuta poderá participar de algumas atividades.

Neste modelo também cabe às sessões apenas com os pais, que são as sessões de alinhamento. Os pais levarão suas dúvidas pontuais. O terapeuta poderá explicar em detalhes sobre adequações dos programas.

Modalidade assíncrona

A modalidade assíncrona têm inúmeras vantagens, entre elas a possibilidade de trabalhar com a criança no modelo naturalista. Na modalidade síncrona precisamos ficar delimitados tempo da sessão. Durante a sessão devem entrar vários programas. O que pode ser exaustivo para os pais e para a criança. É possível aplicar nos momentos que a criança está mais ativa, sem a preocupação do agendamento de horário.

Existem várias forma de desenvolver a modalidade assíncrona:

  1. Os pais recebem o treinamento do programa e como desenvolver os registros. Em épocas determinadas enviam os registros e é marcada a reavaliação. 
    • Ideal para famílias de baixa renda.
    • O relatório será emitido a cada reavaliação.
  2. Os pais recebem o treinamento do programa e como desenvolver os registros. Enviam semanalmente os dados e dúvidas para que a terapeuta analise os dados e responda. 
    • Ideal para famílias que só podem pagar uma sessão por semana.
    • O relatório será emitido a cada semana.
  3. Os pais recebem o treinamento do programa. Filmam todas as sessões e encaminham para a terapeuta junto com as dúvidas.
    • Ideal para famílias que podem pagar mais sessões e possuem preferência pela orientação parental.
    • O relatório será emitido a cada sessão.

O relatório é basicamente o gráfico dos dados da curva de aprendizagem. Para verificar o desenvolvimento da criança. Através destes dados o terapeuta saberá se será necessário fazer adequações do programa de intervenção, se o reforçador está adequado ou modificações na topografia. 

Feito vários ajustes e a criança não está aprendendo, o terapeuta terá embasamento para instruir a família a voltar ao um neuropediatra ou outro médico responsável. 

Sabe-se que problemas como epilepsias (mesmo sem ser visível como uma convulsão), paralisia cerebral e distúrbios de processamento sensorial atrapalham na aprendizagem.

Fontes:

Bristol, M. M. (1984). Family resources and successful adaptation to autistic children. In E. Schopler & G. B. Mesibov (Eds.), The effects of autism on the family (pp. 290– 308). New York: Plenum Press.

Whalen, H. R., & Lachman, M. E. (2000). Social support and strain from partner, family and friends: Costs and benefits for men and women in adulthood. Journal of Social and Personal Relationships, 17, 5–30.

https://www.jurua.com.br/shop_item.asp?id=27011 (14 de setembro de 2021)

Liga Autismos, a maior e mais acolhedora comunidade sobre autismo do Brasil.

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2 comentários em “Terapia em Casa”

  1. Como acessar os conteúdos do site, pois tentei preencher o cadastro mas sempre dá erro.gGostaria muito !

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